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O Eu de Edvan

Às vezes, o tempo passa, mas não encontro nenhum propósito.

Quanto mais estudo, quanto mais observo a natureza, sinto que, talvez, eu não faça tanto assim parte dela.

Mas como pode ser tão óbvio essa notação, sendo que sou feito pela natureza? Todas as minhas partículas e moléculas, que compõem este ser que tem consciência de que está vivente, são compostas pela natureza. Então, logo, a natureza sou eu.

Não sei: será que eu sou a natureza? Somos um só? Não, não. Apenas experiencio a vida, e a minha experiência de vida me leva para lugares extraordinários, alguns dos quais só um ser consciente é capaz de encontrar algum sentido de comportamento para o ambiente.

O tempo que passa é tão raro e único, e fazemos questão de perder cada momento. Cada transição é única; nada é como antes e nada será igual. Não é a felicidade que define quem sou, mas sim a busca por ela, que traz apenas dor, pois não encontro – ou não se pode encontrar – a dor maior que sinto aqui. Isso é o fim trágico para minha existência, é um propósito; a complexidade da realidade ao meu redor me torna um ser tão absurdo, onde não há o que temer. A dor sempre esteve do meu lado, não é apenas um ator físico. Essa é a que menos dói: a alma está quebrada, esburacada, com rachaduras tão profundas por onde o Espírito já passou.

O vazio na minha mente é uma raridade que valorizo demais. Infelizmente, estou sempre pensando: se não é ser o que sou, então o que? A pergunta não é correta.

A resposta está envernizada; logo, a realidade me permite pensar, mas como saber que estes são meus pensamentos? Como saber que estas são minhas escolhas?

Estou sempre enviesado, seja pelo estado natural em que me encontro neste momento, como ser humano, ou pela comunicação entre vivências e trocas de ideias. O legado histórico é o que compõe a minha construção. Isso talvez não seja uma definição, pois até mesmo isso pode ser deixado para trás. Então, depois de tudo, removendo todos os vieses, quem resta? O que resta será eu.

Mas “quem é eu” não é a pergunta correta; a pergunta correta não pode ser composta por uma simples questão superficial. Não é correto dizer o que deve ser dito, nem errado esconder o que se pensa; mas, no final, somente quem pensa sabe quem, de fato, é. Até mesmo quem pensa é um ser; isso também não é certo, porque a vida não é composta somente de seres pensantes.

O universo é repleto de surpresas – todas elas já previsíveis. Mesmo assim, não existe tal fato composto na questão; há apenas uma pergunta, uma pergunta vazia. Perguntas vazias sempre terão meias respostas e nunca serão certas.

Enfim, o universo, aqui programado, está sentindo com diversidade abundante e, ao experienciar todas elas, ainda serei eu. Como isso pode ser possível? Não é questão de ser ou não ser. Não é questão de pensar e existir; eu sou o que pode ser, ou devo ser aquilo que posso ser. Eu chamo este pensamento de “Catomaiis”. Este pensamento é repleto de falhas, porque está preso no seu tempo e no seu atemporal; sempre se referenciará como algo distinto.

Não é comum tentar sair da comunidade em que se vive — e não estou falando da minha região ou do meu tempo —, mas sim tentar sair da comunidade existencial, pois esta é maior do que a minha liberdade. Logo, estou preso, preso dentro da realidade, e a realidade pode ser qualquer coisa; mesmo assim, ela está presa em si mesma, logo, a liberdade se faz ausente.

A dor é como água: se deixarmos de beber, morremos; se deixarmos de senti-la, perdemos a noção da cura. O que pode ser nunca mais pode ser, porque já foi, e tudo que se concretiza é um anseio pelo final. A eternidade é apenas o fim dos momentos e o começo do eterno, e o eterno é a ausência de momentos.

A pergunta certa sobre quem sou eu é: “O que posso ser além de mim?” E esta pergunta tem resposta: além de mim, não sou nada; além de mim, sou o futuro; além de mim, sou você; além de mim, sou o passado; além de mim, sou o desejável; além de mim, sou o repugnante; além de mim, sou a dor; além de mim, sou a paz.

Vida e Morte

Pode haver paz em um mundo onde se contempla a vitória, como se houvesse luz; se a escuridão está repleta de amor obscuro, redundâncias da vida podem se fazer bem-vindas em um mundo monótono. A repetição do fim é sempre surpreendente para aqueles que rejeitam o seu passado. O legado histórico é apenas um momento passante, gravado em lugares.

Tais lugares são bem abrangentes, assim como livros podem armazenar textos, assim como ideias podem armazenar sonhos, assim como o vento pode armazenar energia. A energia do movimento é o que compõe a forma mais pura de se detectar algo.

Sinto cada vez menos tempo em minha volta, pois a passagem é muito rasa. Não há momento suficiente para se destacar; simplesmente deixamos a história correr sobre nossas mãos. Tentar segurar a inútil dor e o sofrimento: isto é o legado da vida.

A vida vivente neste mundo é apenas uma transição de fases, e a criatividade para cada uma destas fases é inovadora, composta de novidades antiquadas, como haver esperança em um mundo melhor, onde até o conceito de “melhor” pode ser “pior” para alguns.

O tempo não revela todas as coisas; não há cabimento suficiente na trajetória da vida onde se possa encontrar soluções. A escuridão é o caminho mais próximo da paz. Pois é só lá que se pode se esconder da guerra: o certo, o errado, o sermão, a angústia, o temor se reúnem na luz e brilham forte, sentindo o calor do sol a cada momento deste passado-presente que sonha com um futuro.

É um momento relativamente tosco, mesquinho; grandes conquistas históricas levam a vida para propósitos cada vez mais superficiais, compostos apenas por um ideal de manter aquilo que foi conquistado, seja cultura, seja riqueza, seja tradição. A cultura, por sua vez, é uma conquista de um povo inteiro; a riqueza é apenas acumulação de algo que se presume ter valor, seja dinheiro, seja pessoas ou até mesmo favores; a tradição, por sua vez, vem banhada com um verniz muito fino de bons costumes.

Todo este material, coletado na história do tempo vigente, está emprestado de sangue, fome e, mais uma vez, dor – tempo que passa, a passagem que nunca acaba. A cada era, presume-se a existência do fim da mesma; a cada existência, presume-se a questão da ausência, a infelicidade da realidade dos seres pensantes, que podem, talvez, sentir o momento de que estão vivos, de que estão existindo, de que são reais.

Tudo isso é composto de justificativas para se esconder do vazio existencial, maior do que tudo o que existe. Todas as palavras foram criadas com o propósito de comunicar, mas aí vemos que a comunicação nunca é o melhor caminho, pois o primeiro a discordar é morto moralmente; o fim é sempre um fato existente. Olhar para a morte só me deixa mais vivo.

O tempo de cada um é indeterminado; não esconder nada é impossível; o infinito é apenas uma limitação da nossa percepção da realidade.

Ah, o amor... Como pode existir? Tal sentimento será algo além de uma programação da natureza? Será um desenvolvimento além da naturalidade, onde só seres conscientes podem se desenvolver? Será apenas instinto carnal? Mas, dessa forma, não haveria como existir companhia. E o que dizer desta forma de se passar o momento existente ao lado de um ser tão existente quanto nós podemos ser?

Não encaro isso como palavras, não encaro isso como energia; apenas aceito que o controle da minha existência, seja longa ou curta, não é meu, e, assim, olho com bons olhos o fim como apenas um momento na realidade, onde poderei finalmente entender por que eu existia, mesmo se a resposta for apenas um repleto vazio existencial da minha consciência. Isso ainda me satisfará demais.